domingo, 10 de setembro de 2017

DELMER DAVES NÃO MERECIA ESTE CANDELABRO!

Meu pai odiou! Afirmou que se tratava de um dos filmes mais idiotas e dispensáveis de todos os tempos. Minha mãe, mais condescendente, considerou-o "bobinho e bonitinho". Era 1964. De minha parte, só o assisti passados mais de 30 anos. Porém, cresci ouvindo muitas loas a respeito e sempre lhe destacavam as inegáveis qualidades românticas. As emissoras de rádio transmitiam à exaustão as composições da trilha musical de Max Steiner e a canção-tema Al di là, de Mogol e Carlos Donida, alcançou o topo das paradas de sucesso. Quando soube que o diretor do tão falado Candelabro italiano (Rome adventure, 1962) atendia pelo nome de Delmer Daves — responsável por westerns fundamentais dos anos 50, abrilhantados por uma concepção visual que impregnava o espaço com original potencialidade dramática —, fui tomado pela frustração. Precisava conhecer esse filme, acima de tudo por Delmer Daves — ora! Em 1996 surgiu a oportunidade. No entanto, para quê? Agora, o motivo da insatisfação era outro e passei a compreender melhor o descontentamento do meu pai. Triste perceber que o tempo de glória do realizador havia passado, praticamente sem deixar vestígios de uma fase na qual foi tocado pela excelência. Candelabro italiano é, sim, segundo o juízo de minha mãe, "bobinho e bonitinho"; acima de tudo, moralista e insosso. Também não deixa de ser sintomático saber que, inspirado pelos primeiros ventos da liberação dos costumes que marcaram os anos 60, tenha uma protagonista chamada Prudence (Suzanne Pleshette). Em todo caso, há quem queira/há quem goste desse candelabro. A estes peço perdão, principalmente por causa da apreciação ligeira a seguir, tão afinada com meu desapontamento.







Candelabro italiano
Rome adventure

Direção:
Delmer Daves
Produção:
Delmer Daves (não creditado)
Warner Brothers/First National Pictures, Delmer Daves Production
EUA — 1962
Elenco:
Troy Donahue, Suzanne Pleshette, Angie Dickinson, Rossano Brazzi, Constance Ford, Al Hirt, Hampton Fancher, Iphigenie Castiglioni, Chad Everett, Gertrude Flynn, Pamela Austin, Lili Valenty, Mary Patton, Maurice Wells e os não creditados Phillip Angeloff, Larry Arnold, Brandon Beach, Mary Benoit, Gail Bonney, Nina Borget, Fred Brookfield, Joe Brooks, Annette Claudier, Lillian Culver, Jack Delaney, Arthur Dulac, Bill Erwin, Paul Ferrara, Sol Gorss, Kenner G. Kemp, Carolyn Lasater, John Macchia, Fred Marlow, Grazia Narciso, George N. Neise), Don Orlando, Emma Palmese, Yvonne Peattie, Emilio Pericoli, Benito Prezia, Jack Santoro, Bill Shannon, Pee Wee Spitelera, Hope Summers, Robert Totten, Arthur Tovey, Jean Vachon, Norma Varden, Nina Varela, Martin Wilkins. 



Bastidores de Galante e sanguinário (3:10 to Yuma, 1957)
O ator Glenn Ford, caracterizado como Ben Wade, e o diretor Delmer Daves



Falta pouco para o término do século XX[1]. A esta altura, qual é o interesse de um filme como Candelabro italiano? Nenhum, em absoluto — para uma resposta rigorosamente enfática. De fato, nada mais desprovido de sentido e atrativos para os dias de agora que a história da jovem e falsa liberal bibliotecária estadunidense Prudence Bell (Pleshette). Funcionária de ultraconservador colégio para moças, pede demissão após sofrer reprimenda do conselho pedagógico. O motivo: ousou emprestar a uma aluna adolescente livro sobre o proibido tema “segredos do amor”.


Suzanne Pleshette no papel de Prudence Bell


Prudence também está na idade das “grandes descobertas”. Pretende experimentá-las em terras de mentalidade mais arejada. Deixa os puritanos e travados Estados Unidos e embarca para a Itália. Viaja acompanhada de Albert Stillwell (Fancher) — jovem e enfadonho estudante da cultura etrusca — e Roberto Orlandi (Brazzi) — simpático italiano bon vivant que tenta inutilmente conquistá-la — inclusive ao brincar com o sobrenome da personagem em uma exposição prática de teoria sobre a relação entre beijos e sons de sinos ou campainhas.



Acima e abaixo: Prudence Bell (Suzanne Pleshette) e Roberto Orlandi (Rossano Brazzi)

  
Porém, é por Don Porter (Donahue) — jovem estadunidense pós graduando em arquitetura e amigo de Orlandi — que Prudence se apaixonará. Quando descobrem a afinidade, resolvem conhecer a Itália em profundidade e, por extensão, o amor. Porém, nem tudo são rosas e não é a todo instante que se escuta Al di là. Linda Kent (Dickinson), pintora e herdeira entediada, ressurge na vida do rapaz e despeja água fria no romance antes de tudo terminar na volta aos Estados Unidos.



Acima e abaixo: Prudence Bell (Suzanne Pleshette) e Don Porter (Troy Donahue)


Em rápidas linhas, essa é a história de Candelabro italiano. Então, por que assisti-lo? Há dois fatores: 1) foi assinado por Delmer Daves — realizador prestigiado durante os anos 50, responsável pelos brilhantes westerns Flechas de fogo (Broken arrow, 1950), Ao despertar da paixão (Jubal, 1956), A última carroça (The last wagon, 1956), Galante e sanguinário (3:10 to Yuma, 1957), Como nasce um bravo (Cowboy, 1958) e A árvore dos enforcados (The hanging tree, 1959) —, titular de uma filmografia digna de atenção, apesar da rápida decadência experimentada na primeira metade dos anos 60; 2) por outro lado, Candelabro italiano despertou a atenção e conquistou o carinho do público quando do lançamento. Verificar as razões e a vitalidade desse apelo é mais que justificável.


Ao fim, confirma-se a decadência de Delmer Daves e a bobagem que é o filme. A narrativa, bem comportada e sem sabor, está totalmente perdida no tempo. Se tal já era historicamente válido para a ocasião do lançamento, o que dizer agora? Sobra, no máximo, curioso e involuntário exercício de anacronismo. Causa espanto saber que foi realizado nos libertários e “mal comportados” anos 60.


Prudence Bell (Suzanne Pleshette) e Don Porter (Troy Donahue)


A história de autoconhecimento, descoberta de limitações e revelação do amor — extraída da novela de Irving Fineman — serve mais como pano de fundo para o olhar turístico da câmera sobre relíquias e paisagens italianas. O roteiro oferece um passeio completo garantido por agência de viagens de qualidade mediana, enfeitado por imagens dignas de cartões postais.


Se na tela o amor enlaça Don e Prudence, na vida real aconteceu o mesmo com Troy Donahue e a estreante Suzanne Pleshette. Apaixonaram-se durante a produção e estavam de casamento marcado quando as filmagens terminaram.


Prudence Bell (Suzanne Pleshette) e Don Porter (Troy Donahue) com o símbolo de sua integridade

  
Em 1959, no papel de Feathers, Angie Dickinson balançou a cabeça do duro e íntegro xerife John T. Chance (John Wayne) em Onde começa o inferno (Rio Bravo), de Howard Hawks. Agora, oferece uma personagem sem sal e desprovida de convicção.


Linda Kent (Angie Dickinson)

  
Quanto ao suporte de velas do título brasileiro, o que significa? Don o adquiriu de um vendedor ambulante quando começava a se apaixonar por Prudence. Converteu a peça em símbolo da própria integridade. É! O amor, não raro, é um convite ao exercício das mais tolas associações.





Direção de fotografia (Technicolor): Charles Lawton. Direção de arte: Leo K. Kuter. Montagem: William Ziegler. Som: M. A. Merrick. Decoração: John P. Austin. Figurinos: Howard Shoup. Orquestração: Murray Cutter. Supervisão de maquiagem: Gordon Bau. Supervisão de penteados: Jean Burt Relly. Supervisão de diálogos: Bert Steinberger. Coordenador de produção: International Film Service. Gerente de produção: Orazio Tassara. Assistentes de direção: Russel Llewellyn, Ottavio Oppo, Luciano Sacripanti (não creditado). Música: Max Steiner. Canção: Al di là, música de Mogol, letra de Carlos Donida, nas interpretações de Al Hirt, Emilio Pericoli, Frankie Fanelli. Roteiro: Delmer Daves, baseado em novela de Irving Fineman. Assistente de gerente de produção: Mauro Sacripanti (não creditado). Dublê: Marvin Willens (não creditado). Sistema de mixagem de som: RCA Sound Recording. Tempo de exibição: 119 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1996)


[1] Esta apreciação foi escrita em 1996.